Entrevista via videoconferência, aliada ou vilã?

O ano de 2020 foi, sem dúvida, um ano de muitos desafios, sobretudo quando à mobilidade urbana e a dificuldade de reunir pessoas, ao menos fisicamente.

Como solução para este desafio, as reuniões online tornaram-se uma saída, compulsoriamente, adequada. Não havia opção, mas aos poucos, as vantagens foram aparecendo. Aqui no Brasil, muitas pessoas têm relatado, com felicidade, as horas economizadas com deslocamentos, sobretudo pelo trânsito caótico que temos nas grandes cidades em nosso país. Contudo, e quando o assunto é Entrevista Forense? Poderíamos nos utilizar de um contato tão distante e impessoal como uma tela de computador para conversar com vítimas, testemunhas e mesmo suspeitos de fraudes corporativas? Podemos sim! E digo mais, devemos!

É óbvio que, como entrevistadores forenses devemos ter sempre o planejamento da investigação e, consequentemente da entrevista, em mãos. A complexidade do caso, o risco de frustrar nossa investida e o objetivo da demanda devem sempre estar em nossas mentes. Imaginem uma entrevista forense que objetiva não somente uma confissão, como também a recuperação imediata do bem. Como coletar o patrimônio da empresa estando distante? Confiaremos no entrevistado para que ele, ao desconectar da nossa reunião, pegue o patrimônio e o entregue para alguém do local? E se ele simplesmente se dirigir até a saída e for embora? Vemos que, diante de determinados casos, de fato, a abordagem virtual tem seus limitadores. Contudo, existem também muitas características de sucesso neste tipo de contato.

Em um dos webinars realizados no ano de 2020, junto com entrevistadores forenses de outras partes do mundo, estávamos discutindo sobre uma particularidade muito apropriada, enquanto falávamos das vantagens de uma entrevista forense por telefone, debatíamos que entrevistas de compliance por telefone trazem no entrevistado a sensação de que o caso não é grave, pois do contrário o entrevistador teria vindo pessoalmente. Pois bem, a abordagem por videoconferência tem a mesma particularidade, gerando uma sensação de que a demanda “não é tão grave assim”.

Contudo, outros elementos extremamente positivos são observados nesta abordagem pois, da mesma forma que reduz a sensação de seriedade do caso, ao menos para o entrevistado, traz para o entrevistador uma série de vantagens adicionais, sobretudo quando comparada com a abordagem por telefone.

A primeira delas, óbvia, é o fato de se poder ver o entrevistado, muitas vezes até melhor do que pessoalmente! É possível que me questionem como é possível uma tela de computador ter a capacidade de reproduzir uma visualização melhor do que a presença física? Mas acredite, muitas vezes as câmeras acopladas aos dispositivos tecnológicos nos fornecem uma opção de zoom que nos permite captar desde uma visão macro do entrevistado, até detalhes sutis de microexpressões faciais.

A segunda delas é com relação ao tempo e dinheiro economizados, cheguei a realizar, no final de 2020, mais de 50 entrevistas em apenas uma semana em 4 estados diferentes e distantes, pelo menos 1500 milhas entre si. Tudo isso, ao custo de apenas alguns cafés feitos na cozinha da minha própria residência e com custo zero de voos, hospedagem, alimentação e táxis ao redor destes locais.

A terceira delas é, sem dúvida nenhuma, minha preferida: Telas! Isso mesmo, telas e telas e mais telas, muitas telas de computador adicionais acopladas ao monitor principal em que a entrevista está se desenrolando. Com estas telas adicionais podemos vasculhar livremente todo o conjunto de elementos do caso, categorizado por infinitas formas e explorar cada um deles com o entrevistado, sem que nenhum se perca no tempo. Existiram casos em que o entrevistado apontou onde estaria uma evidência em seu HD corporativo e eu, enquanto realizava a entrevista, a encontrava no mesmo HD, que já estava copiado e em meu poder nos servidores da Shield Compliance.

Ressalto ainda que ter telas adicionais não apenas nos trazem a vantagem de termos os elementos do caso na nossa frente, elas também nos trazem acesso ilimitado e instantâneo a todo o universo de conhecimento que a rede mundial de computadores nos proporciona. Certa vez um entrevistado me disse que era de uma cidade do interior de um Estado distante no nosso país, eu “lancei” o nome da cidade no monitor ao lado e descobri a principal catedral da localidade, então eu retornei ao entrevistado com o nome da catedral e ele, imediatamente, abriu um sorriso e começou a falar daquilo que era o motivo de orgulho para a cidade inteira, “a maravilhosa catedral que gerações da sua família haviam construído”, “meu avô nem a viu ficar pronta coitado”, dizia ele. O rapport, estava solidificado entre nós, isso graças a um simples clique em uma tela de computador lateralmente posicionada no conforto do meu escritório, situado em um dos quartos da minha casa.

Contudo, confesso que nem tudo são flores, podem acontecer “problemas de conexão”, sobretudo quando o entrevistado começa a se dar conta de que seus desvios foram descobertos, é uma das muitas táticas de fuga, tentar encerrar a conexão com medo de se comprometer com a situação.

Diante de quase 1 ano praticando amplamente entrevistas online, consegui cristalizar algumas dicas relevantes para reduzir chances de termos problemas neste tipo de abordagem:

  1. Avise o entrevistado de que o processo vai acontecer sempre com o menor tempo possível, isso evita que ele se torne reativo ao processo, fique ansioso, deixe de comparecer na empresa no dia ou ainda que não se conecte na sala virtual reservada. Eu sei que essa particularidade é praticada também no contato presencial, mas muitos clientes (empresas) descuidam deste elemento, por acreditarem que devem enviar um “convite” para o e-mail do entrevistado, o fazendo com muita antecedência;
  2. Alinhe com os responsáveis da localidade para estarem à postos para as medidas presenciais que forem necessárias. Muitas vezes o bem pode ser devolvido, a confissão precisa ser digitalizada ou mesmo o documento físico precisa ser arquivado com a empresa. Existem ainda muitos casos em que um entrevistado relata condutas indevidas de outro ou outros, nestes casos alguém no local, presencialmente falando, será de grande valia para a sequência dos trabalhos investigativos, organizando pessoas e horários para que o caso possa ter sequência.
  3. Após o processo, alinhe com alguém da localidade para também estarem vigilantes para condutas suspeitas e/ou, indevidas, que possam surgir como ações para evitar novas descobertas ou mesmo para tentar ocultar outros envolvidos.

Hoje, depois de mais de um ano realizando entrevistas, em sua maioria, online, digo que sou adepto da modalidade. Ainda assim, de acordo com a sensibilidade do caso e conjuntura da situação, opto pela abordagem pessoal. Agora mesmo, enquanto finalizo esta pequena contribuição, me preparo para embarcar para outro Estado em meu país para tratar, pessoalmente, de um caso de assédio sexual. Ponderei que entrevistar uma funcionária vítima de assédio sexual pelo chefe deveria ser de forma pessoal, para ratificar a seriedade com que a companhia trata o caso e demonstrar, visualmente, o sigilo com que um caso que, normalmente traz tanta vergonha, será tratado. Afinal seremos apenas ela e eu em uma sala reservada, sem computadores ou outras conexões, que certamente lhe trariam maiores constrangimentos.

As conexões online vieram para ficar e as considero muito bem-vindas, acredito que não se trata deste ou daquele método e que eles devem “duelar entre si” em busca da melhor abordagem sobre todas as outras. Acredito que o fundamental do nosso trabalho, assim como de todos os outros e da própria essência do nosso progresso como seres humanos, esteja na nossa capacidade de adaptação e progresso, diante das circunstâncias que se apresentam diante de nós.

Grande abraço!

André Costa de Almeida, OAB/SP: 314.283, cfi, pdpe, cpc-a, mba

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